“Grávidas infectadas pelo coronavírus transferem anticorpos para bebês, aponta estudo
O trabalho, conduzido no Hospital Pennsylvania, observou que de 83 grávidas que tinham testado positivo para infecções anteriores de covid-19, 72 delas conseguiram transmitir os anticorpos, via placenta, para os bebês
Giovana Girardi – O Estado de S.Paulo
Mulheres que contraíram covid-19 durante a gravidez foram capazes de passar os anticorpos adquiridos também para os fetos, conferindo aos bebês recém-nascidos proteção contra a doença.
É o que mostra um estudo norte-americano publicado na última sexta-feira, 29, na revista Jama Pedriatrics. O trabalho, conduzido no Hospital Pennsylvania, na cidade de Philadelphia, observou que de 83 grávidas que tinham testado positivo para infecções anteriores de covid-19 (ou seja, elas já apresentavam anticorpos para o coronavírus Sars-CoV-2), 72 delas conseguiram transmitir o chamado IgG (anticorpos de mais longa duração), via placenta, para os bebês. Também foram encontrados IgG no cordão umbilical.
Estudo nos Estados Unidos observou que grávidas transferem anticorpos contra o coronavírus aos bebês no momento do parto.
Ao todo foram feitos testes de sorologia para a detecção de anticorpos em 1.471 grávidas que passaram pelo hospital entre 9 de abril e 8 de agosto do ano passado com idade média de 32 anos.
Entre elas, 83 tiveram resultado positivo para IgG e/ou IgM (que aparece alguns dias após a contaminação, quando já houve replicação viral considerável e o organismo começa a se defender) no momento do parto. O IgG aparece mais ao final da infecção e tende a permanecer por um tempo mais longo no corpo, o que costuma ser relacionado à imunidade adquirida – apesar de isso ainda não ser uma garantia no caso da covid-19.
Dos 11 bebês que não receberam anticorpos, cinco deles eram de mães em que foram detectados apenas o IgM e seis nasceram de mães com concentrações de IgG bem mais baixas do que as outras mães cujos filhos apresentaram anticorpos.
A transferência dos anticorpos via placenta, nos demais casos, ocorreu tanto de mães que tinham sido assintomáticas, quanto das que tiveram uma doença leve, moderada ou severa. E foi maior quanto mais tempo tinha se passado entre a contaminação e o parto.
Os pesquisadores, liderados por Dustin Flannery, do departamento de neonatal do hospital, apontam que os resultados trazem algumas conclusões importantes. O fato de haver uma transmissão menor do IgM, que aparece em geral quando a pessoa ainda está doente, indica menor chance de a mãe passar a doença ao feto.
“Nossos resultados se alinham com as evidências atuais que sugerem que, embora a transmissão placentária e neonatal de Sars-CoV-2 possa ocorrer, tais eventos não são comuns. Não detectamos anticorpos IgM em nenhuma amostra de soro do cordão umbilical, mesmo em casos de doença materna crítica ou parto prematuro, apoiando que a transmissão materno-fetal da Sars-CoV-2 é rara”, escrevem.
O estudo também traz pistas para possíveis encaminhamentos de grávidas para a vacinação e de cuidados no pós-natal. “Quando as vacinas estiverem amplamente disponíveis, o momento ideal para a vacinação materna durante a gravidez deverá levar em consideração fatores maternos e fetais, incluindo o tempo necessário para garantir a proteção neonatal”, afirmam.
Os pesquisadores explicam que a maioria das mulheres soropositivas no estudo eram assintomáticas (60%), com tempo incerto de exposição viral. “Entre o subgrupo de mulheres em nosso estudo cujo início da infecção pôde ser estimado pelos sintomas, todos os soros de cordão umbilical eram soropositivos se o teste de PCR (que detecta se a pessoa está doente naquele momento) materno tivesse ocorrido 17 dias ou mais antes do parto”, dizem. Esse período pode ser um indicativo para o tempo que o corpo feminino pode levar para desenvolver os anticorpos e transferi-los ao bebê em grávidas que forem vacinadas.
O estudo foi visto como uma boa notícia por outros pesquisadores. “O estudo de Flannery e colegas, juntamente com observações semelhantes em vários relatos de infecção por covid-19 durante a gravidez, tem implicações importantes para o controle da pandemia por meio da vacinação. Especificamente para informar as estratégias de vacinação materna e infantil. Embora as taxas de transferência transplacentária possam variar, é reconfortante que a infecção materna, seja sintomática ou assintomática, resulte na produção de anticorpos suficiente para uma transferência transplacentária eficiente de anticorpos para recém-nascidos de mães infectadas porque a vacinação materna poderia fazer o mesmo”, escreveu a pesquisadora Flor Munoz, do Baylor College of Medicine, de Houston, em editorial na mesma revista.
“Ao que parece, mesmo mães que obtiverem imunidade com a vacina em vez de infecção natural, serão capazes de compartilhar anticorpos derivados da vacina com seus fetos”, comentou a epidemiologista brasileira Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin Vaccine.
Os autores do trabalho ponderam, no entanto, que os resultados ainda não permitem concluir se esses anticorpos presentes nos bebês serão suficientes para de fato conferir uma proteção contra a infecção aos recém-nascidos, e que mais estudos serão necessários para confirmar se o são e em qual concentração.”