Médico paulistano montou startup que imprime tecidos e órgãos em laboratório
Texto: Douglas Gavras
Texto originalmente publicado em Estadão
O médico Gabriel Liguori, de 31 anos, transformou o que poderia ser um trauma de infância em uma carreira reconhecida no exterior. Diagnosticado com uma má-formação no coração, ele passou por uma cirurgia ainda na infância. As visitas frequentes ao Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, acabaram direcionando o jovem para a cardiologia.
Em busca de avançar nas técnicas de construção de tecidos e órgãos em laboratório, Liguori fundou a startup TissueLabs ao lado do engenheiro Emerson Moretto. A empresa é especializada em bioimpressoras e biotintas. Hoje, ele sonha em ser o primeiro médico a “imprimir” um coração em laboratório, conforme contou na entrevista a seguir.
- O que te levou a se interessar pela pesquisa na área médica?
Eu nasci com uma má-formação cardíaca e, desde os meus sete dias de vida, já estava no Instituto do Coração (InCor), em São Paulo. Passei por uma operação aos dois anos de idade e aproveitei o fato de sempre precisar estar em hospitais durante a infância e a adolescência para suprir a curiosidade que tinha sobre medicina. Esse contato acabou despertando em mim a vontade de ser médico, nunca pensei em outra profissão. Em 2009, entrei na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e me aproximei da cirurgia cardíaca pediátrica, que era a que eu pretendia seguir. No fim da faculdade, acabei me aproximando da área de medicina regenerativa, que é usar células-tronco e biomateriais para regeneração ou construção de órgãos.
- Quais são as principais dificuldades para montar uma startup de biotecnologia?
A TissueLabs foi fundada em 2019, com a missão de fabricar tecidos e órgãos em laboratório. Montar uma empresa no Brasil já é complicado. No caso de uma empresa de biotecnologia é especialmente mais difícil, por ser uma área em que a maioria dos insumos vêm de fora, a dificuldade de importar esse material é bem grande. A gente recebeu muito apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para desenvolver o projeto e desenvolver os produtos, que é o que a gente chama de biotinta — que são os materiais usados para a fabricação de tecidos. Em 2020, recebemos um investimento privado e começamos a desenvolver novos produtos e colocá-los em laboratórios do Brasil e do exterior. Com o dólar mais alto, ficou mais atrativo produzir aqui, tanto pelo preço quanto pela tecnologia que só a gente tem.
Hoje, ainda é preciso fazer um trabalho de ‘catequização’. As pessoas não conhecem as possibilidades e tecnologias, precisamos explicar.”
- Em quais frentes a TissueLabs atua hoje?
A nossa empresa trabalha com duas linhas de produtos principais: as bioimpressoras 3D, que é como se fossem impressoras 3D de plástico, mas em vez de depositar plástico, elas trabalham com biomateriais com células-tronco (as biotintas), para ‘imprimir’ órgãos em laboratório. A gente fornece as impressoras, são alguns dos nossos principais produtos. E fornecemos também as biotintas. A gente só ainda não produz as células na empresa, mas com o material que fazemos, é possível fabricar pequenos tecidos que podem ser usados para uma série de finalidades.
- A medicina já olha para o trabalho que vocês desenvolvem como algo comum ou ainda é preciso fazer um esforço para divulgar alternativas como essas?
Hoje, ainda é um trabalho de ‘catequização’. As pessoas não conhecem as possibilidades e tecnologias, precisamos explicar. Mas muita coisa acaba ficando ainda na área acadêmica, onde as pessoas começam a explorar essas novas tecnologias e a aplicação clínica deve levar mais um tempo. É uma área, porém, que tende a se popularizar nos próximos anos. Nesse sentido, o prêmio do MIT indica que a gente está no caminho certo, mas ainda é muito cedo para ser visto como um coroamento da nossa carreira.
- Como são feitas as biotintas?
As biotintas são fabricadas a partir de uma matriz extracelular. Funciona assim: a gente produz as tintas a partir dos tecidos que são de interesse produzir. Se eu preciso de um tecido cardíaco, a gente usa o coração de porcos, extrai as células que podem causar rejeição e ficamos apenas com um conjunto de proteínas que vão orientar o comportamento dessas células. A gente consegue desenvolver biotintas a partir de 16 tecidos diferentes, como: pulmão, rim, coração, estômago etc. Os pesquisadores, trabalhando com todos esses tecidos, conseguem criar diferentes órgãos. A biotinta é um líquido parecido com um gel para o cabelo. E a biompressora é parecida com uma impressora 3D convencional, com três eixos. O que muda é, que em vez de estarmos derretendo um plástico, dentro de uma seringa é colocada a tinta com as células. A gente desenvolve os produtos desde a fundação da empresa, no início de 2020, já estávamos com as tintas para comercialização. E no meio do ano passado, já tínhamos a impressora.
- A criação de órgãos para transplante é o objetivo de vocês?
Hoje, a gente tem por volta de 40 clientes, que são grupos de pesquisa com uma média de cinco colaboradores. A empresa tem 13 colaboradores e devemos passar por uma nova rodada de investimentos ainda este ano. O objetivo é colocar tudo o que produzimos no mercado, para venda, gerando caixa e podendo ser reinvestido em pesquisa. Isso para em dez anos anos conseguirmos criar um coração artificial, feito em laboratório. A missão da empresa é conseguir criar órgãos para transplante. Hoje, o mundo inteiro está no estágio de pesquisa, na fase experimental. A gente entende que isso pode demorar mais, mas mesmo o que está sendo feito agora já consegue ajudar a melhorar a qualidade de vida dos pacientes, inclusive crianças com doenças cardíacas, como eu mesmo já fui.
EXPEDIENTE
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Designer Multimídia Dennis Fidalgo / Editora-adjunta de Economia e Negócios: Cátia Luz / Reportagem Douglas Gavras