Pesquisadores dos Estados Unidos anunciaram um marco impressionante na biologia reprodutiva: pela primeira vez, células da pele humana foram convertidas em óvulos funcionais que passaram por fertilização em laboratório, chegando ao estágio inicial de embriões.
Embora ainda longe de se tornar uma terapia clínica, esse experimento abre possibilidades inéditas para o tratamento de infertilidade e para o futuro da reprodução assistida!
Em um estudo publicado na revista Nature Communications, uma equipe liderada pela Oregon Health & Science University (OHSU) relatou que transformou células da pele humana em óvulos capazes de serem fertilizados em laboratório e gerar embriões precoces.
Técnica usada: transferência nuclear + “mitomeiose”
Para alcançar esse feito, os pesquisadores empregaram uma estratégia híbrida:
1. Transferência nuclear de células somáticas (SCNT): o núcleo (com seus 46 cromossomos) de uma célula da pele foi transplantado para um óvulo doador previamente esvaziado de seu próprio núcleo. Essa abordagem é semelhante à técnica usada para clonar a ovelha Dolly.
2. Indução de “mitomeiose”: para que essa célula se comporte como um óvulo verdadeiro, foi necessário eliminar metade dos cromossomos (reduzir de 46 para 23). Os cientistas usaram um composto chamado roscovitinapara forçar a expulsão do material genético extra em uma estrutura chamada corpúsculo polar, imitando o processo natural da meiose.
3. Após essa manipulação, os “óvulos” resultantes foram fertilizados in vitro com espermatozoides e cultivados em laboratório. Em torno de 9% dos óvulos modificados evoluíram até o estágio blastocisto (cerca de 5 a 6 dias de desenvolvimento), o ponto em que embriões de fertilização in vitro costumam ser transferidos ao útero. Nenhum embrião foi cultivado além desse ponto, em respeito a normas éticas vigentes.
Dos 82 óvulos experimentais obtidos, menos de 10% atingiram esse estágio embrionário precoce. Além disso, muitos embriões apresentaram anomalias cromossômicas, o que mostra que a técnica ainda é altamente incipiente e não está pronta para uso clínico.
Potenciais aplicações e implicações
Se aperfeiçoada, essa técnica poderia oferecer soluções para casos extremos de infertilidade, como:
• mulheres que perderam todos os óvulos por idade, tratamento contra câncer ou falência ovariana;
• casais homoafetivos do sexo masculino, que poderiam gerar óvulos “personalizados” para que um deles contribua geneticamente;
• pessoas que não têm células germinativas funcionais suficientes.
A própria líder do estudo, Shoukhrat Mitalipov, afirmou que “a natureza nos deu dois métodos de divisão celular, e nós acabamos de desenvolver um terceiro”, referindo-se à fusão controlada entre mitose e meiose usada no experimento.
Limitações, desafios e prudência ética
Apesar da empolgação, há desafios enormes a vencer antes de qualquer aplicação humana:
• alta taxa de anomalias cromossômicas nos embriões gerados;
• baixa eficiência do processo (apenas ~9% chegaram a blastocisto);
• entendimento insuficiente dos mecanismos de reprogramação genética envolvidos;
• barreiras regulatórias e éticas envolvidas na manipulação embrionária humana;
• risco de uso indevido, como clonagem não autorizada ou manipulação genética sem consentimento.
Especialistas alertam que estamos ainda na fase de “prova de conceito”, um experimento promissor, mas não um procedimento seguro ou aprovado para reprodução.
Além disso, normas internacionais, diretrizes éticas e leis nacionais impõem limites ao cultivo de embriões humanos além de 14 dias ou seu uso para fins reprodutivos. Qualquer avanço deverá caminhar junto com debates públicos e regulamentações robustas.
Contexto histórico e relação com pesquisas anteriores
A ideia de criar gametas (óvulos ou espermatozoides) a partir de células adultas não é totalmente nova: em modelos animais (como camundongos), já se conseguiu gerar espermatozoides ou óvulos a partir de células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs).
No entanto, aplicar isso em humanos esbarra em maiores complexidades, especialmente na replicação fiel da recombinação cromossômica e na garantia de embriões geneticamente estáveis.
Esse novo estudo difere ao usar diretamente a técnica de transferência nuclear + manipulação cromossômica, sem passar por geração prévia de células germinativas induzidas (o que exige muitos estágios de reprogramação).
Esse avanço representa um salto conceitual na biologia reprodutiva e abre um leque de possibilidades ao tratar infertilidade severa ou formar famílias com genética personalizada. Contudo, ainda estamos longe de aplicações seguras em humanos, o caminho envolve muitos ensaios, testes, controle genético e regulação ética.