‘Testes genéticos ajudam a recuperar a história de cada um’

Fundador do laboratório Genera tenta tornar exames que analisam o DNA mais populares no País 

Texto: Douglas Gavras

Texto originalmente publicado em Estadão 

Quando o médico paulistano Ricardo di Lazzaro Filho, de 35 anos, começou a ter os primeiros contatos com a ciência, por volta dos 11 anos, ficou fascinado. “Era um mundo novo que se abria e cada vez fico mais interessado pelas possibilidades que a engenharia genética tem pela frente. Nosso país tem cientistas brilhantes, reconhecidos mundialmente. O problema é a burocracia e a falta de investimentos”, diz.

Tendo feito duas graduações, um mestrado e a caminho de concluir o doutorado, ele contou ao Estadão que a universidade foi fundamental para dar as bases para a criação da Genera, laboratório que já fez exames genéticos em mais de 100 mil pessoas. Na sua visão, os testes são importantes tanto para uma gestão mais personalizada da saúde quanto para ajudar a resgatar parte da história pessoal de cada um.

  • A universidade foi importante para que você decidisse começar a empreender?

Sim. Primeiro, entrei em Farmácia Bioquímica, na Universidade de São Paulo (USP), já gostava de genética e meu sonho era ser pesquisador. Já no primeiro ano, fui fazer estágio em genética no laboratório de pesquisa, mas fiquei um pouco desiludido com a situação da pesquisa científica no Brasil. Nada ajuda o desenvolvimento da pesquisa no País, é impressionante. Acabei, então, no último ano da faculdade, prestando Medicina, me formei na USP mesmo. Acabei tendo a ideia de montar a Genera com um amigo do curso de Farmácia, André Chinchio. Estou há 18 anos na USP, depois das duas graduações, fiz mestrado e estou no doutorado.

  • Como surgiu a ideia de montar um laboratório voltado para a genética?

A ideia para montar a Genera veio no segundo ano da faculdade de Medicina. Montamos um grupo de estudos para acompanhar pacientes com síndrome genética no Hospital das Clínicas, da USP. Vivendo a genética dentro da universidade, percebemos que tinha espaço para montar um laboratório de genética, já que os custos de análise estão ficando cada vez mais baratos, ao mesmo tempo em que a gente está entendendo cada vez mais o que significa o funcionamento do genoma humano.

  • Tinha um nicho de mercado a ser explorado, apesar de outros laboratórios oferecerem exames genéticos no País?

A gente percebeu, que apesar de já existirem outros laboratórios de genética em atividade no País, ainda havia demanda por muitos aspectos que as pessoas queriam saber sobre o próprio DNA — desde sexagem fetal, intolerância à lactose, paternidade, ancestralidade. A gente começou por esse caminho, de vender informações que não são diagnósticos de doenças, mas que são interessantes para a vida das pessoas. Chegamos a ter dez unidades espalhadas pelo Brasil. Fomos o primeiro laboratório a trazer para o Brasil os exames de ancestralidade, em 2014, e eles começaram a ganhar popularidade. Entre 2019 e 2020, a gente resolveu focar em exames de genômica pessoal, para quem quer descobrir as próprias origens, em farmacogenética (para saber os medicamentos que funcionam melhor no organismo do paciente) etc. Com a pandemia, viramos uma empresa que vende os testes genéticos pela internet, sem precisar ter unidades próprias.

  • Quem busca exames genéticos hoje, geralmente?

O público mudou nos últimos anos. Exames de genômica pessoal, com análises bem completas do DNA, são novos e custavam muito caro até bem pouco tempo atrás, a partir de R$ 800. No começo de 2020, a gente conseguiu passar a oferecê-los a partir de R$ 199. Como é uma coisa que tem sido muito falada na mídia e muitos influenciadores estão fazendo, esses exames foram mais procurados. O de ancestralidade, de certa maneira, tenta corrigir o que foi feito no passado, com o apagamento de negros e das populações indígenas da história do País. Esse teste acaba recuperando, em parte, a história das pessoas. O exame de intolerância à lactose é um caso interessante. Essa é uma condição que tem um peso genético grande e que é bem frequente na população brasileira, por ela ser formada com muita herança negra e indígena. A tolerância à lactose é mais comum nas populações europeias. Grande parte dos brasileiros tem algum nível de intolerância e, mesmo assim, o leite é parte da dieta nacional.

A medicina, em geral, é bem conservadora. Nem todos são receptivos às soluções que saem até do escopo clínico.”

  • Existe uma idade certa para fazer esse tipo de exame?

A curiosidade e o autoconhecimento são coisas que movem bastante as pessoas que buscam por testes genéticos. Não tem uma idade certa para fazer, tem gente que testa os filhos, para tentar criar hábitos saudáveis individuais desde cedo. Mas esses exames são preditivos e probabilísticos — não é só por ter disposição para desenvolver algo que a pessoa irá desenvolver. Quando o próprio adulto faz, principalmente o adulto jovem, ele costuma ter o maior ganho em qualidade e vida. E tem gente que dá os nossos testes de presente para os avós. A gente também tem uma ferramenta para encontrar parentes, então, se outras pessoas fizeram o teste da Genera e compartilham do mesmo DNA com o cliente, isso aparece lá. Todo mundo acha alguns primos e até pessoas mais próximas. A gente já analisou mais de 100 mil pessoas, entre todos os testes já oferecidos.

  • A comunidade médica costuma utilizar com frequência testes genéticos para prever tratamentos?

A medicina, em geral, é bem conservadora. Até por ser médico, entendo a visão dos profissionais. Nem todos são receptivos às soluções que saem até do escopo clínico. A medicina, muitas vezes, acha que os exames devem ser feitos com o objetivo de diagnosticar uma doença, o que não é o nosso objetivo. Mas isso vai mudando, e cada vez mais, quando a genética for explicando os melhores caminhos, a comunidade médica irá ficar mais receptiva. E temos algumas dezenas de médicos que são nossos parceiros. O nosso trabalho é voltado tanto para a área médica, quanto para o treinamento esportivo e a curiosidade pessoal.

  • Quais predisposições já são possíveis de serem identificadas por meio da genética?

Muitas condições têm um componente genético altíssimo. Uma série de cânceres que têm marcadores genéticos e, caso a pessoa tenha esse marcador, as chances de desenvolver essa doença é super alta. Alguns marcadores aumentam em dez ou vinte vezes a chance de desenvolver Alzheimer, ou o risco de trombose. Até uma chance de 50% de ter uma doença cardíaca, por exemplo.

  • Ainda é difícil montar uma startup do zero no Brasil?

Ajudei a fundar outras startups, tanto da área de tecnologia quanto de educação. Mas é algo ainda difícil de ser feito. Hoje em dia, tem pessoas que são investidores-anjo, como eu mesmo, aceleradoras, incubadoras. Mesmo grupos que ajudam muito no ecossistema. Quando a gente começou, principalmente na área de saúde, isso não existia muito, a gente usava o laboratório privado de um professor e depois entramos na incubadora da USP, começamos a ter contato com outros empreendedores, entendendo as dificuldades. Isso ajudou bastante. O ambiente vem ficando mais dinâmico, quando estava nas graduações, não tive nenhuma aula de empreendedorismo. Depois de formado, já dei palestras para vários cursos da USP e para outras universidades também. Isso virar uma possibilidade real de carreira é uma coisa que tem muito potencial de crescimento.

  • Em 2019, a Dasa entrou como sócia da Genera. Como isso mudou a empresa e qual é a participação deles na empresa de vocês?

A Dasa hoje tem 75% da Genera. Mesmo com a aproximação de uma grande parceira, a maior empresa de medicina diagnóstica do País, com 30 mil funcionários, ela conseguiu se manter inovadora. E eles foram assertivos em deixar a Genera livre e dinâmica. A gente ficou com os pontos positivos de uma startup (a velocidade, a pesquisa e o desenvolvimento) e as qualidades de uma grande empresa (todo o suporte de escritório, o apoio jurídico e logístico). Em volume, a Genera hoje é a maior empresa nesse segmento de testes genéticos, temos quase cem colaboradores e com perspectiva de contratações para este ano. A gente sempre tem oportunidades abertas em laboratório, na parte de algoritmos, de operação.

  • O País tem tido cortes em sequência no investimento em ciência. Podemos sair dessa pandemia dando mais valor à pesquisa?

Espero que a gente saia da pandemia dando mais valor à ciência. Pelo menos, pelo que me lembro, nunca se teve tanta negação da ciência, mas também tem todo um outro lado muito interessado. RNA (plataforma utilizada nas vacinas contra a covid-19) era algo que ninguém sabia o que era e hoje em dia todo mundo quer entender. É bom colocar esse tipo de coisa no vocabulário das pessoas. Mesmo que, no curto prazo, tenha dificuldades, no médio e longo prazos, torço para que a gente consiga valorizar mais a pesquisa e as universidades no Brasil. Nosso país tem pessoas brilhantes. O problema é a burocracia, a falta de investimento e a dificuldade na importação de reagentes.  Quando um pesquisador bom do Brasil vai estudar lá fora, ele volta falando que os cérebros brasileiros não devem nada para os estrangeiros.

EXPEDIENTE

Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Designer Multimídia Dennis Fidalgo / Editora-adjunta de Economia e Negócios: Cátia Luz /  Reportagem Douglas Gavras

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